A CPMI já tem em mãos também os relatórios de inteligência financeira produzidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre Mauro Cid e George Washington, condenado pela tentativa de ataque à bomba no Aeroporto de Brasília no final do ano passado.
Parte desses documentos, acessados pela Agência Pública, indica que o Coaf teria encontrado ao menos cinco “movimentações de recursos incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica ou a ocupação profissional e a capacidade financeira” de Mauro Cid e outras duas de George Washington.
No caso de Washington, ele aparece ainda com duas “movimentações com indícios de financiamento ao terrorismo” e, ao menos uma vez, teria feito “operações ou prestação de serviços, de qualquer valor, a pessoas ou entidades que reconhecidamente tenham cometido ou intentado cometer atos terroristas, ou deles participado ou facilitado o seu cometimento”.
Além das informações sobre Cid e George Washington, a CPMI já recebeu quebras de sigilo de Jean Lawand, coronel do Exército que pediu a Cid que Bolsonaro desse um golpe; além relatórios da Abin e relatórios de inteligência da Polícia Civil sobre os participantes do QG e sobre os atos de vandalismo de 12 de dezembro de 2022.
Investigação da Pública com base em documentos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) recebidos pela CPMI mostrou ontem que o deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), ex-chefe da Abin, contratou um militar reformado que aparece nos relatórios da pasta por sua “disposição para envolvimento em ações violentas” durante a transição de governo. Segundo a Abin, o militar seria um “boina vermelha” – definido pela agência como “um grupo extremista composto por reservistas do Exército” conectado a outros movimentos extremistas no país, como o Ucraniza Brasil.
Nesta semana, a sala-cofre da CPMI recebeu os primeiros documentos sigilosos enviados para atender a requerimentos aprovados por congressistas.
“Provas” de outra CPI foram compartilhadas
A CPMI já tem acesso também ao “acervo probatório” juntado pela Comissão Parlamentar de Inquérito dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), que conduz uma investigação própria desde fevereiro. A possibilidade de compartilhamento de informações entre as duas comissões foi adiantada pela Pública em maio e os dados já foram recebidos.
Parlamentares do governo e da oposição, além da própria relatora, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), disseram à reportagem que pretendem utilizar o recesso parlamentar para analisar os documentos e trazer as novidades já na volta da CPMI. “Há relatórios de inteligência, quebras de sigilo e outros dados que darão suporte para as próximas oitivas”, explicou a assessoria da senadora.
A falta de documentação base para a investigação foi uma das críticas feitas por integrantes da comissão nas últimas semanas. “Uma CPI só chega a algum lugar se ela tiver quebra de sigilo. Eu nunca presidi uma CPI que tivesse resultado que eu não convocasse alguém pra depor quando eu já tinha tudo na mão”, argumentou na sessão de 11 de julho o senador Magno Malta (PL-ES), segundo vice-presidente da CPMI, do grupo da oposição. Deputados alinhados ao governo concordaram.
Um dos exemplos citados pelos parlamentares foi a oitiva de Lawand, que teria mentido em seu depoimento. Ele negou que pediu um golpe a Cid, quando as mensagens encontradas pela PF em seu celular mostram o contrário — mas só agora a CPMI tem acesso direto aos documentos que podem provar isso.
Avaliações dos membros
Para lideranças da oposição, como o senador bolsonarista Eduardo Girão (Novo-CE), os primeiros atos da comissão mostram que ela foi “sequestrada” pelo governo. “[A comissão] foi tomada de assalto pelo governo Lula, que não queria [uma CPMI] de jeito nenhum. Eles ocuparam [a comissão] com os senadores e deputados que sequer assinaram [o requerimento de criação da] CPMI”, avaliou em entrevista à Pública.
Já apoiadores do governo petista, como a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), avaliam os acontecimentos até aqui como “positivos”. Ela considera que a comissão está dividida entre “democratas e golpistas”, mas “o campo democrático tem maioria de votos”, o que explica por que tem conduzido as investigações.
De acordo com ela, o governo trabalha para mostrar à sociedade que houve um “planejamento” dos atos golpistas do 8 de janeiro. “Estamos tentando de fato construir a lógica de que havia um planejamento que se caracterizou não só nos quatro anos [de governo Bolsonaro], mas, de um tempo pra cá, com atos muito planejados e articulados.” A deputada argumenta que os apoiadores de Bolsonaro tentaram “criar um caos social pra provocar uma intervenção de fato das Forças Armadas, o que não logrou êxito”.
Para o futuro, Girão aponta que a oposição seguirá na linha de defender que a culpa pela invasão dos prédios públicos é de uma suposta omissão do atual governo federal, que foi vítima dos ataques.
Um dos novos focos do grupo bolsonarista, que diz que a segunda parte da CPMI vai “ouvir o outro lado”, é a viagem do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a Araraquara (SP). Girão considera a viagem “estranha”, mas o presidente foi à cidade no dia 8 de janeiro para avaliar os danos causados pela chuva na região.
Na sessão de 11 de julho, foram aprovados vários requerimentos que pedem à Força Aérea Brasileira (FAB), ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e ao Gabinete Pessoal do Presidente da República informações referentes aos planos de voos e de proteção (chamado Plano Escudo) feitos para a visita à cidade paulista.
Acabou o acordo
O deputado Duarte Júnior (PSB-MA), alinhado ao governo, também considera que “os trabalhos têm avançado”, mas faz uma crítica ao presidente da CPMI, Arthur Maia. “O presidente tem que agir com mais firmeza, com mais rigor, com mais pulso. Tem sido permissivo demais com bagunças, com badernas dentro da audiência, das reuniões da CPMI, e isso tem prejudicado um pouco os trabalhos. Era para estar muito melhor do que está”, avaliou.
Por conta da experiência com a oposição, que estaria tentando “tumultuar” as sessões, Jandira Feghali afirmou em entrevista que o bloco governista vai mudar de postura e que a polarização vai aumentar a partir de agosto.
“O campo democrático tem maioria de votos, mas nós temos tentado o exercício de, mesmo tendo maioria de votos, fazer com que o trabalho vá sem muita polarização. Mas está difícil, porque, quando a gente tenta fazer acordos, os acordos não acontecem como a gente achava que deveriam acontecer. Então, para nós acabou essa história de acordo, agora vai pra polarização mesmo. Vamos agora pra polarização direta desse processo”, afirmou a deputada à Pública.
Os depoimentos
Na primeira parte de investigações, a CPMI ouviu oito depoentes, a maior parte deles bolsonaristas, como Mauro Cid, George Washington, Jean Lawand, e Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Cid ficou em silêncio durante as oito horas de duração da sessão, o que levou a CPMI a apresentar uma denúncia contra ele por “uso excessivo de silêncio” no Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão que lhe garantiu o direito de não responder às perguntas dizia que ele poderia se negar em casos que o incriminassem, mas o ex-ajudante de ordens não respondeu nem mesmo sua idade, 44 anos.
George Washington também se calou na maior parte de seu depoimento. Já Silvinei negou que utilizou a PRF para impedir eleitores de Lula de votar no Nordeste; e Lawand contradisse o conteúdo de suas mensagens para Cid.
Nomes considerados chave, seja pelo governo ou oposição, ficaram de fora, ao menos por enquanto. Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal; Saulo Moura da Cunha, ex-diretor-adjunto da Abin; e general Gonçalves Dias, ex-ministro do GSI do atual governo, estão entre os que já foram convocados, mas ainda não compareceram.
As datas para os depoimentos deles e de outros convocados devem ser definidas já na primeira sessão após o recesso, no início de agosto.
Ainda faltam cerca de 120 dias para o fim da CPMI, que deve durar ao menos até a segunda semana de novembro, quando completará 180 dias de funcionamento. Parlamentares da base governista ouvidos pela reportagem defendem que a investigação acabe no prazo, sem que seja prorrogada por mais 180 dias, o que estenderia a comissão até o início de junho de 2024.
Caso a oposição queira mais tempo, precisará reunir assinaturas de 27 senadores e 171 deputados, além da leitura em plenário do requerimento pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
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