O Centrão, bloco de partidos que dá as cartas na política nacional, tem o controle quase absoluto de boa parte das pequenas cidades do País, uma base capaz de se perpetuar independentemente das eleições presidenciais deste ano. Um levantamento feito nas últimas semanas pelo Estadão revela que o grupo considerado fisiológico tem votos em quase todos os municípios e que 1.294 deles elegem prioritariamente deputados federais desse campo político. Representantes do Centrão são bem votados e costumam se reeleger utilizando uma engrenagem poderosa, que envolve a distribuição de verbas da União para prefeitos aliados.
Mesmo com a má fama do bloco, todos os pré-candidatos ao Palácio do Planalto, em outubro, já acenaram para composições com os três principais partidos do grupo, Progressistas, PL e Republicanos, além de legendas menores como Patriota, Avante, PSC e PROS. Juntas, essas sete siglas têm, hoje, 152 deputados federais e projetam aumentar esse número. Uma das características do Centrão é estar sempre na órbita dos governos.
O grupo controla da Câmara dos Deputados, presidida por Arthur Lira (Progressistas-AL), à Presidência da República, com Jair Bolsonaro, filiado ao PL, partido de Valdemar Costa Neto. No atual governo, o bloco de partidos passou a dominar até o Orçamento, com os remanejamentos de verbas avalizados por pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que é presidente licenciado do Progressistas.
Campeã
Maranhãozinho (MA), de apenas 14 mil habitantes e às margens da BR 316, está entre as cem cidades mais pobres do País, segundo o IBGE. É também a campeã de votos no Centrão. Nas eleições de 2010, 2014 e 2018, a cidade deu 74,6% dos votos para deputados federais e partidos do grupo político. Na última, o deputado mais votado foi Josimar Maranhãozinho (Progressistas), com 83,5% da preferência. Recentemente, ele foi indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, sob a suspeita de desviar verbas do orçamento secreto destinadas à Saúde – o deputado nega as acusações. Em segundo lugar está Guararema (SP), base eleitoral do deputado Márcio Alvino (PL).
Na última semana, a reportagem do Estadão esteve em três cidades do interior de Goiás que estão entre as que mais deram votos ao Centrão, proporcionalmente. Gameleira de Goiás, Marzagão e Jesúpolis estão entre os 10% dos municípios do País que mais elegem candidatos do bloco. Nas três localidades, o mesmo cenário: os votos vão para os deputados federais que têm apoio dos prefeitos – e os prefeitos apoiam quem leva recursos federais para as cidades.
Emendas
Marzagão está distante 166 quilômetros em linha reta de Gameleira de Goiás. Em 2020, os 2,2 mil habitantes do local elegeram Solimar Cardoso de Souza, do PSC, para comandar a cidade. Sob o novo prefeito, o local vem conseguindo captar recursos federais e estaduais com emendas de políticos como os deputados federais Glaustin da Fokus (PSC) e Adriano do Baldy (PP), além do estadual Amauri Ribeiro (PRP). O dinheiro permitiu recapear ruas e reformar a escola municipal, onde algumas salas agora têm ar-condicionado – comodidade rara na rede básica de ensino do País.
Na semana anterior à visita da reportagem, os deputados federais estavam na cidade para a inauguração de uma obra, segundo relataram o professor de educação física João Eduardo Martins e o motorista Lindomar Gomes da Silva. “Não é como antigamente, que dizia que ia vir a verba, mas nunca chegava”, afirmou Silva.
‘Deputado do prefeito’
Jesúpolis é uma pequena cidade de menos de 3 mil habitantes, a três horas e meia de carro do centro de Brasília (DF). Como o nome sugere, trata-se de um local muito religioso – a cidade possui um Cristo Redentor na entrada e uma estátua dos Três Reis Magos na praça; ao lado da prefeitura há um templo do Racionalismo Cristão, doutrina filosófica brasileira do começo do século 20, seguida pelo fundador da cidade.
Na média das últimas três eleições, nada menos que 46,9% dos votos para deputado federal da cidade foram para partidos e candidatos do Centrão. O grupo político que comanda a prefeitura da cidade é o mesmo desde a emancipação, nos anos 1990. Na economia local, o Executivo municipal representa uma das poucas opções de emprego – a outra é um conjunto de fábricas de tijolos.
O aposentado Antônio Torres disse confiar na indicação do prefeito para escolher em quem votar para o Legislativo federal. “Deputado é o deputado do prefeito”, afirmou. “Se o cara (nos) valoriza, vai votar em outro por quê?” “Valorizar”, no caso, é trazer recursos federais para a cidade. Alguns metros mais adiante na mesma calçada, o cabeleireiro Túlio Nogueira usa a expressão “federal do prefeito” para dizer como pretende votar em outubro. “Quem está no mandato (da prefeitura) tem força demais (para pedir votos para o Congresso)”, disse ele. “Na prática é assim que funciona. O federal tem que trazer investimentos.”
Em 2022, o “deputado do prefeito” será, mais uma vez, Adriano do Baldy, segundo o prefeito Adriano Peixoto, também do Progressistas. Em 2018, o parlamentar teve 46,9% dos votos no local. “O município sempre tem uma linhagem de apoiar somente um candidato. O deputado Adriano tem história aqui no município. Desde quando ele era assessor”, declarou Peixoto.
“Para o Senado a gente vai apoiar o (ex-ministro) Alexandre (Baldy, do Progressistas). É um parceiro, ajudou muito o Brasil e o Estado. E para o município nosso, ele destinou mais de R$ 4 milhões. Mais recentemente recebemos R$ 8 milhões que são de recursos dele ainda para o saneamento básico”, disse o prefeito.
“Jesúpolis é uma cidade que eu participei do processo político desde a emancipação. Então eu conheci todos os prefeitos. Todos os federais que eu trabalhei foram os mais votados (em Jesúpolis): Barbosa Neto, depois Sandro Mabel (PL), por três mandatos; aí veio Alexandre Baldy, também como o mais votado. É um projeto que a gente tem construído a muitas mãos”, afirmou Adriano do Baldy, que não tem parentesco com Alexandre Baldy.
‘Centro’
Hoje ministro e um dos principais líderes do Centrão, Ciro Nogueira afirmou que o Progressistas é um partido de centro-direita, mais do que representante do bloco. “Eu milito na política, com mandato, desde 1994. Nunca foi aprovado nada no Congresso Nacional, nenhuma tese prosperou no País, sem o apoio dos partidos de centro”, disse ele ao Estadão.
Nogueira também rejeita a ideia de que o grupo só se movimente por interesses fisiológicos. “Um exemplo bem claro, que tira essa pecha de fisiologismo, foi o que aconteceu no governo do presidente Jair Bolsonaro. Nós começamos, e não foi só o Progressistas, a apoiar o governo muito antes de qualquer técnico do nosso partido ser escolhido para ministérios ou para cargos públicos. E em momento nenhum mudou essa relação de apoio por conta desses cargos.”
Outro líder do Centrão que critica o rótulo é o deputado Marcos Pereira (SP), bispo da Igreja Universal e presidente nacional do Republicanos. “O termo ‘Centrão’ é uma tentativa infantil de rotular alguns partidos que atuam como centro moderador. Não é um grupo, nem uma coligação, nem uma entidade formal”, disse Pereira ao Estadão. Segundo ele, sem um “centro moderador” na política, o Brasil cairia no “radicalismo” e no “extremismo”. “Eu falo pelo Republicanos. Muitas pessoas que julgam ou rotulam o partido o fazem ou por preconceito ou por desconhecimento. Temos contribuído de forma efetiva para o desenvolvimento do Brasil em diferentes frentes.”
História
Doutor em Ciência Política e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Danilo Medeiros afirmou que o termo “Centrão” surgiu durante a Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988) – o grupo do “Centro Democrático” se opunha ao que seus integrantes consideravam excessos da ala progressista. A percepção do grupo era a de que Mário Covas tinha lotado a comissão de sistematização da Assembleia de representantes da esquerda – o que não era o caso, segundo pesquisador. “Esse grupo entendeu que aquilo não estava refletindo as preferências do plenário.
Desde 2010, os deputados federais do Centrão tiveram votos em 5.298 municípios brasileiros – ou seja, em 95% de todas as cidades do País, espalhadas nas 27 unidades federativas. A força do bloco é também um fenômeno consistente no tempo: desde 2010, o grupo teve 22,1% dos votos para deputado, em média, em todo o Brasil. Em 2018, os sete partidos do grupo tiveram, juntos, quase um quarto (24%) dos votos para a Câmara.
‘Padrão’
Ao contrário do que sugere o senso comum, o voto no Centrão não está concentrado na Região Nordeste. Desde 2010, os 1.793 municípios da região deram, em média, 21,6% dos votos para deputados federais do bloco – número próximo da média nacional. O que os dados mostram é que a concentração de votos do grupo se dá em cidades pequenas: nos municípios onde o bloco tem mais votos, o número médio de eleitores é de 15,5 mil. Já nas cidades em que o grupo vai pior, o colégio eleitoral médio é de 20,9 mil. Nas cidades que estão entre os 10% que mais votaram nos candidatos do Centrão, o número médio de eleitores é ainda menor, 10,3 mil.
“As prioridades dos eleitores em cidades menores são diferentes daquelas dos grandes centros”, disse o professor Felipe Nunes, da Universidade Federal de Minas Gerais. Fundador da empresa de pesquisa e consultoria Quaest, Nunes observou que isso ajuda a explicar a concentração de votos do Centrão nas pequenas cidades. “Nos dados (levantados pela reportagem) tem uma pista muito importante. Se você pegar as cidades com mais de 50% dos votos para o Centrão, vai ver que o colégio eleitoral médio é de 27 mil. São cidades abaixo de 30 mil eleitores que concentram o voto.”
Já nas cidades que têm até 20% de votos para o Centrão, portanto, no outro extremo, o colégio eleitoral cresce para 60 mil, em média. “O Centrão é alimentado por um padrão de votação de cidades pequenas, onde você tem ainda um modo de organização social e política mais tradicional”, afirmou o professor.