Uma declaração do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), em tom irritadiço durante encontro com empresários em Belo Horizonte expôs o principal embate existente hoje entre o Palácio Tiradentes e o governo federal.
Ao comentar as negociações da repactuação do acordo feito após o rompimento da barragem em Mariana (MG), ocorrido em 5 de novembro de 2015, Zema acusou o governo de “má vontade” com o estado e disse que, para Minas, “tudo é mais difícil ou impossível”.
O prazo para o fim das negociações em torno da repactuação termina no próximo dia 5. As conversas envolvem os governos federal, mineiro, capixaba e a Fundação Renova, criada pelas mineradoras Vale e BHP Billiton, controladoras da Samarco, dona da barragem que rompeu.
O que opõem os governos federal e de Minas e que foi o motivo das declarações de Zema é que o governador quer utilizar os recursos da repactuação para obras em todo o estado.
Por sua vez, o governo Lula defende a aplicação do dinheiro exclusivamente na área atingida pela tragédia, ou seja, nos municípios da bacia do Rio Doce, posição endossada pelo MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens).
No novo acordo, o poder público ficará responsável pela realização das obras e projetos sociais, cabendo às mineradoras apenas o repasse dos recursos. Nas regras vigentes, estabelecidas em 2016, o dinheiro sai das mineradoras, e as obras e projetos sociais ficam a cargo da Renova.
Ainda não há um valor fechado a ser repassado após a repactuação. O governo federal quer a aplicação dos recursos em saneamento básico, na área da saúde, com a construção, por exemplo, de postos de atendimento à população em municípios atingidos, além da retirada do rejeito do leito do rio.
Já o governador quer o dinheiro em todo o estado para reforço na segurança e na saúde, conforme fontes que participam das negociações.
A argumentação do governo Zema para utilização dos recursos fora da área atingida é que, com a suspensão das atividades da Samarco, e a consequente perda de arrecadação de tributos, todo o território foi afetado.
Para um integrante do governo federal que participa das negociações ouvido pela reportagem, as obras no Vale do Jequitinhonha ou no Triângulo Mineiro são vistas também como muito importantes, mas, em Brasília, o entendimento é que o dinheiro deve ser usado apenas na área afetada.
O governo Zema não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem sobre o embate com o governo federal e disse, por nota, que tem feito “enorme esforço para a repactuação do atual acordo do rio Doce”. Disse ainda que “manifesta a segurança de que a não repactuação significa a não reparação do desastre”.
O modelo que o governo Zema quer utilizar em relação a Mariana é o mesmo adotado no caso da tragédia da Vale em Brumadinho (MG), onde uma barragem da empresa também se rompeu, em 25 de janeiro de 2019, matando 270 pessoas.
Em fevereiro de 2021, um acordo fechado entre o governo de Minas e a mineradora definiu o pagamento de R$ 37,6 bilhões em indenização pela empresa, dos quais parte foi destinada a obras em todo o estado.
“Zema quer repetir Brumadinho. Quer fazer obras do interesse dele. Nem são [do interesse] do povo mineiro. O movimento lamenta esse tjpo de postura, que coloca o interesse eleitoral acima da reparação integral e dos atingidos na bacia do rio Doce”, afirma o coordenador do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), Joceli Andreoli.
Apesar das divergências em relação a como aplicar os recursos, os governos federal e estadual concordam em um ponto discutido na mesa de negociações. Para ambos, o modelo de reparação, com a Fundação Renova coordenando ações, falhou.
No governo federal, a argumentação é que as medidas compensatórias e reparatórias não se concretizaram e, além disso, foram constantemente contestadas na Justiça.
Na mesma linha, o governo Zema fala em “indignação”. “Oito anos depois da tragédia de Mariana, é com indignação que o governo de Minas se depara com um processo de reparação lento”, afirma, em nota.
“Se, no caso de Brumadinho, um acordo de reparação integral foi firmado dois anos após a tragédia, possibilitando resultados efetivos para quem foi prejudicado, o que se assiste hoje é a reconhecida demora da Fundação Renova, sem medidas definitivas para as ações que seriam sua responsabilidade em razão do desastre do rio Doce”, diz o comunicado.
A Fundação Renova informou que não comentaria o posicionamento. Novas reuniões entre os governos ocorrerão nos próximos dias para buscar uma saída para o impasse e também definir o valor a ser pago pelas mineradoras.