Jornalista Paulo Rolim entrevista Psicopedagoga Clínica e Terapeuta especialista em crianças autistas, em época de pandemia do vírus.
ENTREVISTA – DRª BENILDE MIRANDA
Por Paulo Rolim
Em tempos de distanciamento social e até isolamento, as rotinas sociais e familiares mudaram abruptamente. E tudo ficou ainda mais difícil para aquelas famílias que têm entre seus entes crianças com desenvolvimento atípico, notadamente autistas.
Para esclarecer e orientar sobre o assunto, convidamos a Psicopedagoga Clínica e Terapeuta Especialista em autismo, Benilde Miranda, em uma abordagem onde orienta e indica ações e atitudes aos pais e cuidadores.
Drª Benilde Miranda é especialista em terapias comportamentais voltadas para crianças que apresentam desenvolvimento infantil atípico e Transtorno do Espectro Autista – TEA. Palestrante, consultora, especialista em autismo e saúde mental para crianças e pós-graduada em Educação especial e Inclusão. Ministra cursos de capacitação presencial e online, bem como supervisão de equipes.
Estamos em uma pandemia e a maioria da população mudou radicalmente sua rotina, permanecendo em distanciamento social, medida recomendada e preconizada pelos governos. Em relação ao portador de Transtorno do Espetro Autista, ou simplesmente autista, qual sua recomendação às famílias destes indivíduos?
Benilde Miranda – Não há uma receita pronta que se possa indicar a todas as pessoas com autismo, em razão das particularidades e do espectro do transtorno. Mas quero listar algumas medidas que certamente ajudarão, independente do grau de autismo da criança:
– É necessário deixar claro e informar da existência dessa mudança para a pessoa com autismo. Certamente, os pais hão de saber qual a melhor forma de comunicação com eles, se através de conversa curta ou estímulo visual. Vale lembrar que os autistas em sua maioria têm aversão a mudanças sem que seja prévia e detalhadamente combinado. Eles precisam dessa previsibilidade para se organizarem melhor.
– Uma ótima opção é criar e organizar um mural com rotinas a serem cumpridas. E fazer este mural junto com eles é bem interessante, pois serve para manter essa nova rotina previsível e funcional.
– Neste momento é oportuno utilizar este mural com atividades múltiplas que contemplem a diversão, cooperação familiar e claro, focando nas habilidades que precisam ser trabalhadas. Pode-se incluir jogos, brincadeiras preferidas, atividades que auxiliam na organização da casa, na medida ideal para cada criança e com o devido apoio, seja físico, instrucional ou visual, de acordo com a necessidade que ela tem.
– Explorar as AVD´s, ou “Atividades de Vida Diária”, que têm como objetivo auxiliar na construção da independência da criança portadora de autismo. São exemplos de AVDs: escovação dentária, banho, pentear o cabelo, dentre outras.
– E sempre que houver a probabilidade de novas mudanças, é importante antes de implantá-las, fazer os “devidos combinados” para que aceitem de maneira tranquila.
Passado mais de um mês desse distanciamento social, que interferências podem influir no comportamento do autista?
Benilde Miranda – Comportamentos inadequados podem surgir, motivados por esse distanciamento e quebras de rotinas anteriores. É importante não permitir que a criança com autismo fique ociosa, às vezes até fazendo uso abusivos dos eletrônicos. Garantir uma rotina funcional como foi descrito anteriormente tem essa função: reduzir a probabilidade de comportamentos disruptivos acontecerem. Os cuidados devem se manter na medida em que tudo foi feito como orientado pelo profissional que acompanha, estimulando a rotina funcional, equilibrada e rica em situações e oportunidades de desenvolvimento.
Nesse período, a senhora tem trabalhado muito o assunto, até com abordagens e lives em redes sociais. A utilização da comunicação através da tecnologia disponível é um caminho que se apresenta para o profissional manter a interação com seus pacientes e familiares?
Benilde Miranda – Há algum tempo instituí o trabalho “online” com algumas famílias, porém nesse momento de necessário distanciamento social e até isolamento, estendi a todos os pacientes que já estavam sob meus cuidados e atendimento. Semanalmente prescrevo um plano de trabalho para família, sempre de acordo com suas realidades e possibilidades, além de treiná-los. Assim, consigo monitorar a aplicabilidade e colher dados importantes. Temos tido excelentes resultados com essa forma de atuar, porém, não vejo a hora de voltar a receber as crianças no consultório novamente.
Um grande número de municípios, ou até mesmo estados, estão tornando obrigatório o uso de máscaras. O autista precisa se movimentar, fazer pequenos passeios no parque ou mesmo na rua, como parte de sua terapia. O autista aceita utilizar um adereço como essa máscara? E as autoridades, têm ciência das especialidades dos portadores do TEA?
Benilde Miranda – Não é tão simples fazer com que uma pessoa com TEA tenha compreensão da obrigatoriedade do uso da máscara. Além disso, existem questões sensoriais envolvidas, as quais complicam ainda mais o uso de uma máscara, por exemplo. Alguns portadores são hipersensíveis e terão grandes dificuldades para conseguir usar. Mas é possível que se encontre uma forma de habituá-los. Vejo muitos autistas até usando, mas outra vez chegamos àquela questão: é tudo muito individualizado. Cada indivíduo tem suas adversidades e facilidades. Acredito que a melhor forma seja mesmo o bom distanciamento social, até que a situação viral mude. E nos casos de necessidade, para fins específicos, importante buscar locais seguros, abertos e sem aglomeração, que é o recomendado a todos, autistas ou não.
É fato que após essa pandemia o mundo não mais será o mesmo. Atitudes até então comuns como abraçar amigos, podem estar definitivamente banidas do hábito das pessoas. Esse novo jeito de agir e se relacionar poderá influir no comportamento do autista?
Benilde Miranda – Se tem algo com que a pessoa autista não se preocupa, são os padrões de comportamento ditados pela sociedade. A nós, terapeutas de todas as áreas, caberá sempre buscar um plano de trabalho individualizado e personalizado para cada portador do TEA, levando em consideração suas necessidades e ouvindo paciente e respeitosamente o estilo de vida de cada família. Entender como funciona cada núcleo familiar é importante e necessário na hora de selecionar as habilidades trabalhadas com cada criança que recebemos como paciente.
Como estudiosa e pesquisadora do tema, a senhora tem um recado especial aos familiares ou mesmo, aos profissionais de sua área?
Benilde Miranda – Meu recado para as famílias é: tenham calma! As crianças precisam muito que seus cuidadores estejam tranquilos e conscientes. Busquem sempre o diálogo com os profissionais, e peçam um plano de trabalho o mais personalizado possível, se é que seu filho ainda não o tem. Isso é altamente importante e possível, mesmo que os profissionais que o atenda sejam pelo sistema público de saúde. Necessário manter equilíbrio e ter cuidado para não sobrecarregar os pacientes e as famílias.
Aos colegas profissionais, desejo que todos consigam se manter firmes e tranquilos. Tenho muita certeza e fé que isso tudo logo há de passar e a normalidade voltará. E a partir desse momento, o mundo, mais do que nunca, precisará de nós.