Entenda os principais motivos que fizeram o MPGO pedir intervenção do Estado na saúde de Goiânia
O Ministério Público de Goiás (MP-GO) identificou uma série de falhas sistêmicas na saúde pública de Goiânia, que levaram o Procurador-Geral de Justiça do Estado, Cyro Terra Peres, a pedir a intervenção do Estado no Município. As principais falhas incluem:
- Desestruturação da Rede de Assistência
Redução drástica no número de leitos de internação: Tanto em enfermarias quanto em UTIs, especialmente entre 2018 e 2024.
Queda na oferta de leitos intensivos em hospitais tradicionais: Instituições como Santa Bárbara, Infantil de Campinas, Hospital da Criança, Pronto Socorro para Queimaduras, IGOPE, Goiânia Leste Universitário, Jacob Facuri e Gastro Salustiano sofreram uma queda alarmante na oferta de leitos.
Zeramento das internações em UTI: Em 2024, cinco dessas unidades não realizaram mais internações em UTI.
Subdimensionamento da rede hospitalar: A rede hospitalar é insuficiente para atender à crescente demanda da população da capital e dos 245 municípios pactuados com Goiânia para assistência médica.
Leitos ociosos do SUS: Existem leitos ociosos devido a problemas administrativos.
- Falta de Medicamentos e Insumos
Desabastecimento grave de medicamentos e insumos essenciais nas unidades pré-hospitalares de urgência e emergência.
Pacientes forçados a custear exames laboratoriais básicos devido à falta de recursos nas unidades de saúde.
- Deficiências Operacionais nas Unidades Pré-Hospitalares
Número insuficiente de profissionais: Falta de médicos, enfermeiros e técnicos.
Problemas estruturais graves: Unidades apresentam infiltrações, mofo, vidros quebrados, macas enferrujadas, poltronas rasgadas, cadeiras danificadas e portas sem fechadura.
Superlotação das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), colocando em risco a segurança de pacientes e profissionais.
Retenção prolongada de pacientes em UPAs, CAIS e CIAMS, aguardando leitos hospitalares, o que leva a complicações nos quadros clínicos e até mortes.
Utilização inadequada de Salas Vermelhas como substitutas de UTIs, sem recursos adequados de ventilação assistida prolongada.
- Gestão Inadequada de Recursos e Inadimplência
Atrasos sistemáticos nos repasses financeiros aos hospitais contratualizados, como a Santa Casa de Misericórdia, o Hospital Araújo Jorge e a FUNDAHC (responsável pelas maternidades).
Dívida acumulada de cerca de R$ 300 milhões com a rede de saúde contratualizada.
Suspensão de serviços essenciais devido à falta de pagamento, incluindo hemodiálise, tratamento oncológico, serviços laboratoriais e atendimento nas maternidades.
Desvio de recursos destinados à saúde para outras finalidades.
Retenção indevida de recursos repassados pelo Ministério da Saúde.
Morosidade nos processos de auditoria da Secretaria Municipal de Saúde, atrasando os pagamentos devidos aos prestadores de serviços.
- Falhas na Gestão e Planejamento
Falta de planejamento e omissões recorrentes na gestão da saúde.
Resistência ao controle externo e descumprimento de determinações do Tribunal de Contas dos Municípios (TCMGO).
Nomeação de profissionais sem qualificação para cargos de gestão, como no caso do Coordenador-Geral do SAMU.
Irregularidades em contratos emergenciais e na contratação de serviços terceirizados.
Falta de medidas eficazes no combate à dengue, apesar dos altos índices de incidência em Goiânia.
- Descumprimento de Decisões Judiciais
Desobediência reiterada a decisões judiciais que determinam a regularização dos repasses financeiros e a garantia do acesso aos serviços de saúde.
- Impactos na Rede Estadual de Saúde
Sobrecarga dos hospitais estaduais, devido à incapacidade da rede municipal de atender à demanda, especialmente em casos de alta complexidade.
Dificuldades na integração e regulação do acesso aos serviços de saúde em todo o estado, devido à falência da gestão municipal em Goiânia.
- Óbitos Evitáveis
Mortes de pacientes aguardando atendimento médico adequado, incluindo leitos de UTI.
- Operação Comorbidade
A investigação do Ministério Público revelou indícios de crimes na gestão da saúde, incluindo interferência em entidades do terceiro setor, pagamentos irregulares e desvio de recursos. A operação resultou na prisão do então secretário de saúde, Wilson Pollara, e de membros de sua equipe.
- Incapacidade de Gerir a Crise
Exoneração da Secretária de Saúde e sua equipe após a prisão do Secretário Municipal de Saúde na Operação Comorbidade, evidenciando a incapacidade da gestão municipal em lidar com a crise.
Atos omissos
A representação interventiva critica uma série de atos e omissões por parte do Município de Goiânia, especialmente na gestão do sistema público de saúde, resultando na violação de princípios constitucionais e direitos fundamentais. A gestão temerária do sistema de saúde, marcada por falhas sistêmicas, condições inadequadas e desmantelamento da rede de assistência, agrava a crise. Além disso, a falta de planejamento, a omissão no combate à dengue e a falta de repasses para a FUNDAHC demonstram negligência e incapacidade de gerenciar o sistema de saúde de maneira eficaz.
A representação também aponta o descumprimento das leis federais e pactuações do SUS, como a inexecução da Lei 8.080/90 e o descumprimento do Pacto pela Saúde. O município não cumpriu suas responsabilidades quanto à gestão de serviços de média e alta complexidade, prejudicando o atendimento a pacientes de outros municípios. Essa ineficiência é acompanhada por uma resistência em executar decisões judiciais, como o repasse de verbas à FUNDAHC, o que evidencia desrespeito ao Poder Judiciário e ao cumprimento de ordens legais.
Além disso, a atuação administrativa do município é criticada por diversos atos inadequados. A utilização irregular de recursos destinados à saúde, a nomeação de um profissional sem qualificação para cargo de gestão no SAMU e irregularidades nos contratos emergenciais indicam falta de comprometimento com o serviço público. A resistência ao controle do Tribunal de Contas do Município de Goiás (TCMGO) também é destacada, evidenciando uma postura de desrespeito à fiscalização e à transparência administrativa.
Por fim, a representação aponta para atos que indicam má-fé e descaso com a saúde pública. A defesa da utilização de Salas Vermelhas como UTIs e os indícios de crimes na gestão da saúde, revelados pela Operação Comorbidade, agravam a crise e demonstram um padrão de conduta irresponsável. Esse conjunto de atos e omissões justifica, segundo a representação, a intervenção do Estado para garantir o direito à saúde da população e restaurar a ordem constitucional.
Em resumo, as falhas sistêmicas na saúde pública de Goiânia demonstram um quadro de desestruturação, ineficiência, desvio de recursos, descaso com a população e desrespeito às leis e decisões judiciais. A gravidade da situação, que coloca em risco a vida de milhares de cidadãos, justifica a necessidade de intervenção urgente para restaurar a ordem pública e garantir o direito à saúde.