O novo salário mínimo de R$ 1.320 começou a valer nesta segunda-feira (01/05), representando uma alta de 1,4% ou R$ 18 em relação ao valor de R$ 1.302 que vigorava desde 1º de janeiro.
O reajuste acima da inflação havia sido uma das promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que com isso retoma a valorização do piso salarial, uma das marcas dos seus dois primeiros mandatos.
Mas quanto o salário mínimo se valorizou em cada governo, desde o fim da hiperinflação com a aprovação do Plano Real?
E qual o impacto do reajuste desse ano e do esperado para 2024 para as contas do governo?
Perguntamos aos economistas Daniel Duque, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), e Vilma Pinto, diretora da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado Federal.
Quanto o salário mínimo valorizou em cada governo
Quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) assumiu a Presidência em 1995, o salário mínimo valia R$ 70 e chegaria a R$ 240 no fim do seu segundo mandato, em 2002.
Sob Lula, foi de R$ 240 a R$ 545 em oito anos, entre 2003 e 2010. Sob Dilma Rousseff (PT), passou de R$ 622 a R$ 880, nos seus pouco mais de cinco anos de mandato, interrompidos pelo impeachment.
Michel Temer (MDB) assumiu o governo com o mínimo a R$ 880 e entregou a R$ 954. Enquanto sob Jair Bolsonaro (PL), o valor foi de R$ 998 a R$ 1.212.
Agora, sob o terceiro mandato de Lula, o mínimo começou janeiro em R$ 1.302 e passou a R$ 1.320 em maio.
Mas, para avaliar quanto o mínimo se valorizou em cada governo, não basta olhar para os valores nominais. É preciso descontar a inflação de cada período.
Para fazer esse cálculo, Daniel Duque, da FGV, deflacionou os valores do salário mínimo pelo IPCA, índice oficial de inflação do país.
E o que os dados mostram é que o mínimo se valorizou 30,5% no primeiro mandato de FHC e 7,3% no segundo, totalizando uma valorização real de 40% nos oito anos do tucano.
No governo Dilma, com o crescimento do país perdendo fôlego, os ganhos reais do salário mínimo também perderam força: foram de 12,4% no primeiro mandato da petista e 5,5% no segundo, somando 18,5% em seus pouco mais de cinco anos na presidência, até o impeachment.
Sob Temer e Bolsonaro, o país abandonou a política de valorização real do mínimo, passando a reajustar o salário base apenas pela inflação.
Com isso o piso estagnou, registrando variação negativa de 0,2% nos pouco mais de dois anos de gestão do emedebista e desvalorização real de 1,2% durante os quatro anos de Bolsonaro.
Agora, com os dois reajustes já anunciados por Lula em 2023, o mínimo voltou a ter ganho real: de 6,1% até maio, considerando a inflação projetada para o mês atual no boletim Focus.
Poder de compra em relação à cesta básica
Uma outra forma de avaliar o que aconteceu com o salário mínimo em cada governo é ver o poder de compra do piso em relação à cesta básica.
Utilizando o valor da cesta básica de São Paulo calculado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Duque encontra que o poder de compra do salário mínimo cresceu 57,4% nos dois mandatos de FHC; 52,7% sob os oito anos de Lula; apenas 3,4% nos governos Dilma; 1,7% sob Temer; despencando 24,3% durante os quatro anos de governo Bolsonaro, em meio à forte alta do preço dos alimentos no período.
Com os reajustes anunciados por Lula, e diante do valor esperado para a cesta básica em abril e maio, o poder de compra do mínimo em relação à cesta básica volta a crescer este ano, em 10,4%.
Ainda assim, o salário mínimo de R$ 1.320 só compra atualmente cerca de 1,6 cesta básica, ainda abaixo das 2,2 cestas que eram possíveis comprar com o mínimo em agosto de 2018, ponto mais alto do poder de compra do piso em relação à cesta básica, registrado durante o governo Temer.
O que aconteceu em cada governo
“A política de valorização do salário mínimo sempre teve basicamente dois vetores, que são muito entrelaçados: a situação econômica e a situação fiscal do país”, observa Duque.
O economista lembra que, no primeiro mandato de FHC, houve uma combinação de bom crescimento econômico, com inflação sob controle. O salário mínimo também estava muito subvalorizado, após 20 anos de inflação alta e reajustes não proporcionais.
“Havia bastante espaço para fazer o reajuste, e o real supervalorizado contribuiu para uma menor inflação de alimentos, o que também aumentou o poder de compra do salário”, afirma.
Já no segundo governo FHC, o cenário se complica, com crescimento menor e piora da situação das contas públicas. Em 1999, é implantado o chamado Tripé Macroeconômico – conjunto de medidas que combinava câmbio flutuante, metas de inflação e metas fiscais.
“O maior controle fiscal pressionou para não haver tanto reajustes do mínimo [já que o salário base serve de referência para gastos públicos como aposentadorias, benefícios sociais e salários do funcionalismo]. Não houve perda real, mas também não houve grande valorização no período”, diz Duque.
Num cenário de retomada do crescimento econômico, Lula realiza em seu primeiro mandato a maior valorização do mínimo do período pós-Plano Real.
Em 2007, essa política de valorização é consolidada em uma regra, que previa a correção anual do mínimo pela variação da inflação do ano anterior, mais o crescimento do PIB de dois anos antes. Essa regra viraria lei em 2011.
Mesmo assim, no segundo mandato de Lula, a valorização perde um pouco de força.
“O governo Dilma mantém a mesma política de valorização, mas num cenário de crescimento menor, que resulta em reajustes do mínimo mais baixos”, observa Duque.
Sob Temer e Bolsonaro, num cenário de restrições fiscais, a política de valorização do mínimo é abandonada e os reajustes passam a ser feitos apenas pela inflação.
Soma-se a isso, no governo Bolsonaro, uma forte alta da inflação de alimentos – impactados pela pandemia, quebras de safra por questões climáticas e a guerra da Ucrânia – que prejudicou ainda mais o poder de compra do salário mínimo em relação à cesta básica.
Com a volta da valorização, Duque destaca a importância do salário básico.
“O salário mínimo foi bastante responsável por reduzir a desigualdade de renda no país entre 1995 a 2015”, observa o economista.
“Houve efeito importante também no combate à pobreza, devido principalmente aos benefícios atrelados a esse valor.”
Segundo o Dieese, o Brasil tem 60,3 milhões de pessoas com rendimento referenciado no salário mínimo, sendo 24,8 milhões de beneficiários do INSS e 18,4 milhões de empregados, entre outros grupos.
O mínimo também impacta trabalhadores sem carteira e por conta própria, já que serve de referência para toda a economia.
Impacto do reajuste do mínimo nas contas públicas
Apesar desses efeitos positivos, a valorização do mínimo tem um custo.
Segundo cálculo do governo, cada R$ 1 de aumento do salário mínimo impacta em R$ 368,5 milhões por ano as contas públicas.
Assim, a alta de R$ 18 que passa a valer agora em maio deve gerar um impacto de R$ 4,5 bilhões nas contas do governo entre maio e dezembro deste ano.
Para 2024, o governo enviou o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) com uma previsão de salário mínimo de R$ 1.389, que considerava apenas o reajuste pela inflação.
Mas, segundo o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, o governo deve apresentar um projeto de lei ao Congresso retomando a política de valorização real que vigorou nos governos petistas anteriores.
Caso a regra seja retomada, o mínimo iria R$ 1.429 em 2024, gerando um custo de R$ 14,7 bilhões adicionais para as contas do governo no próximo ano.
Além disso, o governo somente até maio já aumentou o valor do Bolsa Família, reajustou os salários do funcionalismo público em 9% e anunciou o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 2.640.
Diante de tudo isso, os analistas veem com descrença a promessa do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de zerar o déficit primário já em 2024.
O resultado primário é a diferença entre receitas e despesas do governo e o déficit acontece quando esse resultado está no negativo.
“A meta de zerar o déficit no próximo ano não é compatível com a estrutura atual de receitas e despesas do governo”, considera Vilma Pinto, diretora da IFI.
Assim, o governo vai ter que cortar gastos ou aumentar a arrecadação para reequilibraras contas públicas.
“O governo tem sinalizado que isso deve acontecer pelo lado das receitas [isto é, com maior arrecadação], mas a grande questão é que não pode ser uma receita não recorrente, tem que ser algo que gere efeito de médio prazo, para que haja impacto na sustentabilidade das contas públicas”, explica a economista.
“Como nossa dívida já está em nível elevado, se não conseguirmos gerar resultado que faça ela ficar estável, isso mexe na expectativa dos agentes e aumenta o risco fiscal. Isso tem consequências para a atividade econômica, com efeitos na inflação e na taxa de desemprego.”
Ou seja, se o desequilíbrio das contas públicas continuar, o benefício do reajuste do salário mínimo acima da inflação poderá ser corroído por uma aceleração dos preços e por menor geração de empregos.