A participação do general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, em uma manifestação política ao lado do presidente Jair Bolsonaro, no domingo, agitou a caserna. Generais ouvidos pelo Estadão avaliam que cresce o risco dessa transgressão disciplinar virar motivo para novo embate entre o Palácio do Planalto e o Comando do Exército. O receio é que a tentativa de blindagem de Pazuello, por parte do presidente Jair Bolsonaro, leve à renúncia do comandante, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
Pazuello vai apresentar hoje sua defesa, no último dia do prazo estabelecido pela corporação. Há quase dois meses no cargo, Paulo Sérgio, por sua vez, se afastou das redes sociais e evita manifestações públicas. O general está decidido a aplicar uma punição ao ex-ministro da Saúde.
Se houver uma intervenção política no Exército, porém, Bolsonaro estará desautorizando o comandante. Essa percepção aumentou depois que o presidente proibiu a divulgação de nota pública comunicando a abertura do procedimento disciplinar contra seu obediente ex-ministro, como revelou o Estadão. Uma intervenção poderia provocar a renúncia de Paulo Sérgio, porque, na avaliação de oficiais, ele perderia a autoridade para punir casos de indisciplina.
“É possível, sim (que renuncie), e acho que é o mais provável, se ele for desautorizado. Não tem muita saída. Se o ânimo dele for entregar o boné, é uma boa solução. Mas não sei o que o general Paulo Sérgio vai fazer. A posição dele, a do ministro da Defesa e a negociação com o presidente são variáveis importantes”, diz o general Sérgio Etchegoyen, que foi ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no governo de Michel Temer.
A opinião é compartilhada pelo general da reserva Francisco Mamede de Brito Filho. “Como comandante, eu procuraria fugir de uma escalada de crise, mas tomaria uma decisão autônoma. Se depois alguém viesse dizer que fui injusto, cancelando minha posição, eu entregaria meu cargo no dia seguinte, porque perderia a liderança da tropa. Imagine você ser desprestigiado, ser contrafeito numa decisão tão importante quanto essa de preservar a disciplina na instituição. É algo muito sensível e o presidente sabe disso”, afirma Brito Filho.
O que se discute na caserna não é apenas uma punição a Pazuello em si. O ex-ministro da Saúde, por enquanto acomodado como adido na Secretaria-Geral do Exército, já admitiu a colegas que errou.
Trata-se de tentar preservar a ordem e a disciplina nos quartéis e, mais do que isso, evitar mais um desgaste de imagem e a politização da tropa.
Na prática, neste momento, o Palácio do Planalto só pode pressionar, mas não tem como intervir para alterar a tramitação do procedimento disciplinar do qual Pazuello é alvo. A apuração segue rito previsto no Estatuto dos Militares e no Regimento Disciplinar do Exército.
Generais a par das conversas avaliam que o ministro da Defesa, Braga Netto, deve tentar uma solução meio-termo, para evitar uma crise entre o presidente e o comandante. Para eles, será preciso mediar a vontade do general Paulo Sérgio, a opinião do ministro Braga Netto e a de Bolsonaro.
A punição pode ser de vários graus: da advertência verbal à prisão por até trinta dias, passando por uma repreensão registrada. Há, no entanto, uma brecha na lei que permite revogar a pena, ao fim das investigações. Caso seja considerada excessiva ou injusta, a punição aplicada pode ser “anulada, relevada ou atenuada” por autoridade superior. Neste caso, a tarefa caberia apenas a Bolsonaro.
Paulo Sérgio ainda não deu pistas de qual pena aplicará. A transgressão foi fartamente documentada, em público, e vem de um militar no topo da carreira, o que agrava a situação. Mas o bom comportamento e a inexistência de antecedentes podem ser considerados como atenuantes.
A chegada de Paulo Sérgio como comandante do Exército foi precedida de um desgaste de viés político entre Bolsonaro e a corporação. Uma série de militares de alta patente apontou o descontentamento do presidente com o então comandante, Edson Pujol, como motivo para a demissão do general. Pujol não cedeu às investidas de Bolsonaro e aos pedidos de engajamento da tropa no governo, em que pese a escancarada participação de militares da ativa em cargos políticos