O ministro Paulo Pimenta, da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República) do governo Lula, omitiu de sua declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral a casa onde mora em Brasília, adquirida por R$ 1,6 milhão em 2013 (equivalente a cerca de R$ 3 milhões em valores atualizados pela inflação).
Hoje, casas próximas à do ministro e de tamanho semelhante são listadas por mais de R$ 5 milhões. O lote tem 848 metros quadrados e 441 metros quadrados de área construída, segundo a escritura do imóvel.
No último dia 10, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), participaram de um jantar na casa do ministro para discutir o impasse entre Câmara e Senado em torno da retomada do funcionamento das comissões responsáveis por analisar as MPs (medidas provisórias).
O ministro afirma que a casa é um patrimônio dele e da mulher e que está devidamente informada na declaração dela à Receita Federal, nos informes de Imposto de Renda.
A Lei Eleitoral (9.504/1997) exige que todos os políticos que pretendam se candidatar entreguem no pedido de registro de candidatura uma declaração atualizada de todos os seus bens. A informação é publicada nas páginas de transparência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para consulta de qualquer eleitor.
A norma tem entre seus objetivos o de permitir à sociedade acompanhar e eventualmente identificar indícios de evoluções patrimoniais suspeitas ou conflitos de interesse.
As declarações patrimoniais feitas à Receita e à Justiça Eleitoral, porém, têm formatos e objetivos distintos. O cumprimento de uma não exclui a obrigatoriedade da outra.
O informe anual de Imposto de Renda feito ao Fisco tem objetivos tributários e regras próprias, além de ser sigiloso, ou seja, não pode ter suas informações acessadas por qualquer cidadão.
A declaração de bens à Justiça Eleitoral é pública, devendo o político incluir a relação atual de bens, contendo descrição simplificada e o valor declarado à Receita, sem necessidade de inclusão de endereços ou outros dados pormenorizados.
Esse informe é público e pode ser acessado no Divulgacand, a página do TSE com informações das candidaturas e das contas eleitorais.
“A transparência das declarações de bens de candidatos é fundamental não apenas para o controle social de eventuais indícios de irregularidades ou conflitos de interesse, como também para a própria formação consciente do voto do eleitor, que deve ter direito de acessar informações que considere relevantes para a formação do seu voto”, afirma o diretor-executivo da Transparência Partidária, Marcelo Issa.
Paulo Pimenta é casado em regime de comunhão parcial de bens com a historiadora Claudia Dutra, que na época da compra da casa era funcionária do Ministério da Educação. Seu nome também consta na escritura do imóvel.
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Na declaração de bens feita ao TSE por Pimenta em 2022, em que ele informava um patrimônio de R$ 192,8 mil, o único imóvel era uma vaga de estacionamento em Porto Alegre (RS).
Na época da aquisição da casa, Pimenta estava em seu terceiro mandato consecutivo de deputado federal. Antes disso, foi vereador e vice-prefeito de Santa Maria (RS), além de deputado estadual no Rio Grande do Sul.
Em 2010, última eleição antes de comprar a casa, Pimenta havia declarado ao TSE ter patrimônio de R$ 785,6 mil, sendo dois imóveis no Rio Grande do Sul um na capital gaúcha e outro em Santa Maria, além de quotas de uma empresa denominada Ouro Negro Comercial.
O imóvel em Santa Maria, de R$ 194,6 mil, não foi mais declarado a partir de 2014. De acordo com o ministro, ele foi vendido por R$ 590 mil, 36% do valor da casa em Brasília.
O apartamento em Porto Alegre deixou a declaração de Pimenta somente em 2022.
O Código Eleitoral prevê penalidades de multa ou prisão para casos como esse, mas a punição raramente é aplicada. A pena máxima é de 5 anos de prisão.
“Toda informação que é declarada aos órgãos públicos, como o TSE, tem que ser fidedigna e real. Uma declaração falsa ou incompleta tem que ser investigada no âmbito eleitoral e criminal”, afirma Guilherme France, gerente do Centro de Conhecimento Anticorrupção da Transparência Internacional Brasil.
“O Brasil tem hoje três sistemas de declaração de bens para agentes públicos: a Receita Federal, com o Imposto de Renda, um sistema do TCU [Tribunal de Contas da União] e o da Justiça Eleitoral. O único público, e que portanto permite algum tipo de rastreamento ou controle, é o da Justiça Eleitoral.”
PIMENTA DIZ QUE SEGUIU ORIENTAÇÃO DO PT E QUE IMÓVEL FOI DECLARADO POR ESPOSA À RECEITA
O ministro Paulo Pimenta afirmou que o imóvel está registrado no seu nome e no da sua esposa e que seguiu a orientação do partido ao entregar suas declarações de bens à Justiça Eleitoral.
“Como trata-se de patrimônio do casal em 2014, 2018, 2022, constou na declaração [do Imposto de Renda] de minha esposa, cujo CPF está informado na minha declaração. Esta é a orientação das normativas da Receita Federal”, afirmou.
Questionado por que o imóvel não foi declarado à Justiça Eleitoral, Pimenta respondeu que seguiu as orientações da Secretaria de Organização do PT. O documento do partido com as instruções para o registro da candidatura pede que seja enviada a declaração atual de bens, podendo ser a cópia da declaração do Imposto de Renda.
“Todas as informações relatadas são acompanhadas pelos órgãos de controle, entre eles o TCU, que tem acesso a todos os meus dados de bens e rendas”, acrescentou.
O PT foi procurado para comentar a orientação dada a candidatos sobre declaração de bens, mas ainda não respondeu à reportagem.
O advogado tributarista Daniel Gudino afirma que a orientação da Receita Federal é de que, caso a declaração dos cônjuges seja feita em separado, os bens do casal devem ficar concentrados em uma das declarações. Mas o informe que não listar os bens deve comunicar que os dados estão na declaração do cônjuge. Isso, porém, não se aplica à exigência da Justiça Eleitoral, que busca a transparência na divulgação de patrimônio dos candidatos.
O ministro afirmou que os recursos para a compra da casa vieram da venda do imóvel de Santa Maria e de empréstimos, além de recursos próprios do casal. Tudo foi declarado no Imposto de Renda, afirma. “Os pagamentos foram realizados através de transferências bancárias e cheques.”
Em relação aos empréstimos, ele afirma que foram feitos dois, na modalidade consignado, no Banco do Brasil, ambos também declarados à Receita Federal.
Em entrevista à coluna Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, Pimenta repetiu os argumentos e disse que o convite para Lula e Lira jantarem na casa é uma demonstração de que não há intenção de ocultar a posse do imóvel. “Você acha que, se quisesse esconder a casa, convidaria o próprio presidente para um encontro nela?”, afirmou.