DOIS CASOS DE PRÉ-JULGAMENTO.
1 – Boa parte do Brasil viu estarrecido um vídeo onde um cliente supostamente – tenho que usar esse termo – tenta humilhar e desqualificar um entregador de comida, em um condomínio fechado em São Paulo. Confesso que não vi o vídeo na íntegra, mas o pouco que vi trouxeram cenas fortes, o teor das palavras foi agressivo e ressalte-se a tranquilidade, a calma e a não reação do motoboy, que para mim teve bom senso e muita frieza, até, diante de uma situação que poderia se tornar limite, e até trágica.
2 – Em Goiânia, consternado e triste, a sociedade acompanhou a tragédia que se abateu sobre uma família, a família do menino Danilo, pobre, filho de mãe catadora de recicláveis e criado por um padrasto com histórico de violência doméstica, que moravam em uma invasão, na periferia de Goiânia, região sudoeste. Assim que surgiram os primeiros suspeitos – o padrasto e um vizinho de apenas 18 anos – apressaram-se a colocar a imagem deles em todos os telejornais, com apresentadores pedindo justiça – não por parte da justiça – mas, justiçamento, assim que ele “descesse” para o presídio.
Interessante, que criminosos contumazes que têm dinheiro e bons advogados não podem ter sua imagem divulgadas, sequer seus nomes. Se for político, obtém segredo de justiça e como têm foro privilegiado, sequer vão a julgamento. Mas, os catadores de recicláveis, nome pomposo para quem remexe o dia inteiro o lixo em busca de sobreviver, ah, esses pode mostrar o rosto, suas vidas, todo. Sim, pois são miseráveis, pobres na verdadeira acepção da palavra… Pobres!
O crime que ceifou a vida do menino Danilo, sorridente, alegre, espevitado, chocou e indignou a todos, bem como as cenas do motoboy, onde o cliente do aplicativo de entregas dirigia a ele palavras agressivas e desumanas.
Há dois fatos a considerar: no caso do motoboy, triste caso, quem o agrediu com palavras e comportamento abomináveis não foi uma pessoa normal, ciente do que fazia, mas um homem doente, que tem histórico de situações difíceis, como jogar pedras em carros e agressividade. É um homem doente, sob tratamento psiquiátrico, faz uso de medicamentos controlados, que certamente, face ao seu ato, não estão sendo eficientes. Lembre-se que este homem tem uma família, pai, mãe, irmãos, parentes próximos que sofreram com a situação assim como sofreu a família do motoboy. Duas famílias sofreram diante do que foi veiculado e divulgado.
No caso do menino Danilo, foram presos dois suspeitos: um servente de pedreiro, vizinho, que segundo se divulgou inicialmente, teria sido contratado para ajudar o principal criminoso a cometer o ato infame de tirar a vida de uma criança, e um padrasto, “pai de criação” que não faz muito tempo, praticara violência doméstica, inclusive com tentativa de homicídio contra a mãe da criança assassinada.
Nos dois casos, apressaram a julgar, condenar e executar a sentença contra os párias da sociedade. O padrasto de Danilo, pobre e sem advogados regiamente pagos, teve sua imagem fartamente difundida em todos os portais de notícias, jornais, telejornais e similares. O rapaz do condomínio classe alta de São Paulo, para mim, totalmente errado, mas doente, em tratamento psiquiátrico, também foi julgado, com pedidos veementes até de prisão. Nos dois casos, o justiçamento público aconteceu; felizmente não houve o justiçamento físico, que poderia ter-lhes ceifado a vida e trazido mais sofrimento às famílias.
Foram sumariamente julgados e condenados, por quem pouco ou nada entende sobre o assunto, mas se arvoraram em rapidamente emitir e conduzir para que a opinião fosse geral.
Nota dez para a Polícia Civil de Goiás, que teve coragem, paciência, sabedoria e acima de tudo, capacidade técnica e profissional para esclarecer um crime tão triste e revoltante, como foi o caso do menino Danilo.
Quanto ao rapaz do condomínio chique, que ele consiga se curar, e se não for possível, ao menos encontrar tratamento capaz de controlar seus transtornos e problemas psiquiátricos, evitando ainda mais sofrimento a quem presta serviços a ele e à sua família.
Nos dois casos, que prevaleça a justiça, e que não mais aconteça algo que é o pior de tudo isso: justiçamento apressado e açodado.
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Paulo Rolim – Jornalista e Produtor Cênico