Governo lento, destruição veloz

A densa fumaça dos incêndios florestais que há dois meses encobre cidades do Amazonas e do Pará é mais um capítulo dramático da rigorosa estiagem amazônica, que seca o leito dos rios, arrasa a vida selvagem e devasta a floresta. Uma tragédia que em tudo vai contra a nova ordem mundial de defesa do clima e que torna incoerente e espantoso o represamento de R$ 4,1 bilhões no saldo do Fundo Amazônia.

O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, admitiu que é preciso aprimorar o combate a incêndios e disse que o instituto deve apresentar, no fim do ano, um “projeto robusto” para usar dinheiro do fundo no combate à crise. A reação tardia, que tende a acrescentar milhares de hectares ao amplo inventário de floresta destruída, expõe o despreparo do governo em lidar com a catástrofe anunciada dos efeitos do fenômeno El Niño neste ano na região.

O que mais impressiona é que somente agora está sendo elaborado por um órgão governamental um projeto para usar o dinheiro de um fundo constituído exatamente para esse fim. É explícita a finalidade das doações no decreto que o criou, em 2008: investimentos em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento e conservação e uso sustentável da Amazônia Legal.

O problema não são os recursos, pois eles existem. Mas, se há dinheiro, onde estão os projetos? Em recente reportagem do jornal Valor, o banco estatal BNDES, que administra o Fundo Amazônia, informou que neste ano foram contratados apenas dois projetos, que, quando concluídos, não chegarão a R$ 24 milhões. Duas aprovações ao longo de 11 meses – uma delas ainda sem desembolso – não são um resultado a ser comemorado.

Quanto mais complexa a formulação de projetos aptos aos recursos do fundo, mais o governo deveria se afastar da atitude passiva que parece adotar para assumir as rédeas na condução do programa. Para isso servem, ou deveriam servir, a coordenação técnica do BNDES e os organismos ambientais federais. Se a proteção da Floresta Amazônica é realmente prioritária, não faz nenhum sentido a morosidade na aplicação prática de recursos que chegam de diferentes países para o combate ao desmatamento.

É certo que houve avanço. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) atestou que de janeiro a setembro o desmate na Amazônia foi metade do registrado no mesmo período do ano passado. Desconsiderando a base de comparação sofrível da gestão anterior – que inclusive se empenhou, sem sucesso, felizmente, em extinguir o Fundo Amazônia –, é um bom começo.

Mais importante do que as medidas de combate aos incêndios, porém, é desenvolver soluções para evitá-los ou, ao menos, minimizá-los. A seca que se abate sobre a região não é um evento sem precedentes, embora marque um recorde. Tampouco imprevisto. Ao contrário, há meses havia alertas meteorológicos para a situação atual, que reduziu a régua de profundidade do Rio Negro a menos de 12 metros, um espanto para o leito de um rio que, em condições normais, chega a 90 metros.

O espalhamento dos focos de incêndio, que em outubro somaram 3.858, um recorde no acompanhamento feito pelo Inpe desde 1998, ameaça gravemente a saúde da população, que voltou a adotar o uso de máscaras.

Em abril, o presidente americano, Joe Biden, anunciou a intenção de repassar R$ 2,5 bilhões ao Fundo Amazônia. Em julho, foi a vez do governo da Suíça. Os contratos foram formalizados em outubro e a primeira etapa das contribuições somou R$ 45 milhões, 2,9% do total prometido. Pelo regulamento do fundo, novos aportes ficam condicionados ao sucesso de investimentos para redução do desmatamento, uma exigência básica para garantir o rigor no uso do dinheiro.

Estados Unidos e Suíça se juntam à Alemanha e Noruega como financiadores do fundo. França e Inglaterra também deram sinais de que vão aderir. A preocupação mundial com a Amazônia é consistente com a busca pela mitigação da crise climática que põe em risco todo o planeta. Ao Brasil está reservado um papel de real protagonismo nessa campanha. Mas deve agir o quanto antes, não no ritmo do bicho-preguiça.