CPI propõe leis para ‘driblar’ Lira e Aras e conter fake news; entenda os 17 projetos do relatório final.

O relatório final da CPI da Covid apresentado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) na última quarta-feira (20) traz ao todo 17 propostas legislativas.

Os temas são diversos: há tanto projetos sobre o prazo de análise de pedidos de impeachment contra o presidente e ministros de Estado como de estruturação do SUS (Sistema Único de Saúde). O documento propõe ainda instituir o crime de extermínio e o de criação e disseminação de fake news.

Parte das propostas são novas, mas há também textos que fazem uma junção de outros projetos já apresentados por outros parlamentares, como no caso da pensão a órfãos da Covid, ou então que trazem caminhos diferentes para temas já em debate, como é o caso do combate à desinformação.

Entenda o que acontece com essas propostas agora e o que elas buscam estabelecer.



O que acontece com as propostas apresentadas no relatório?

O relatório final da CPI ainda precisa ser aprovado pelos demais integrantes da comissão. A votação deve ocorrer nesta terça-feira (26). Até lá, ainda é possível que haja alguma alteração sobre as propostas do documento.

Aprovado o relatório, as propostas legislativas da CPI precisam passar pela tramitação usual no Senado e na Câmara para virarem lei, além da sanção do presidente da República.

Como explica Graziella Testa, cientista política e professora da FGV-EPPG (Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas), não há regras que estabeleçam um tratamento diferenciado para projetos de lei que sejam sugeridos por uma CPI.

“Formalmente, uma tramitação que comece na origem de qualquer senador comum ou que tenha origem por uma recomendação da CPI teria a mesma tramitação”, diz.

Ela ressalta, contudo, que isso não quer dizer que o fato de as propostas terem partido da CPI não possa dar a elas alguma prioridade e celeridade. Isso vai depender, destaca Testa, do apoio dos presidentes das Casas e das comissões, bem como de consenso entre os parlamentares.

Contra blindagem do presidente

Lei do Impeachment: O relatório apresenta um projeto que altera a lei 1079/1950 estabelecendo um prazo de 30 dias, prorrogável por igual período, para manifestação do presidente da Câmara dos Deputados sobre pedidos de impeachment contra o presidente da República ou ministros e determinando que, uma vez cumpridos os requisitos legais, o recebimento da denúncia será deferido.

Professores de direito consideram salutar e meritória a criação de um prazo, para que a sociedade não fique sem resposta quanto a eventuais denúncias.

Apesar de a lei não dar ao presidente da Câmara a prerrogativa de avaliar o teor dos pedidos, eles apontam que a prática passou a ser adotada –e referendada pelo STF– diante do excesso de solicitações contra presidentes, que podem ser feitas por qualquer cidadão.

O professor associado do Insper Diego Werneck diz que a proposta abre a possibilidade de judicialização, ao estabelecer que o presidente da Câmara deve tomar uma decisão após um prazo estipulado.

Ele pondera, porém, que não é apenas do presidente da Casa a responsabilidade por um presidente ser ou não afastado do cargo e que isso não mudará.

Thomaz Pereira, professor de direito da FGV Rio, acrescenta que, se o intuito é deixar claro que não cabe ao presidente da Câmara a última palavra sobre os pedidos, é preciso criar uma comissão permanente para avaliar as solicitações ou atribuir a outra já existente essa função.

Revisão de arquivamento no Ministério Público:

Atualmente, decisões de arquivamento de inquéritos determinadas por procuradores e promotores são submetidas a revisão, o que não acontece no caso do procurador-geral da República, cargo exercido atualmente por Augusto Aras.

Para mudar isso, o relatório traz uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que prevê que o procedimento seja seguido “inclusive pelo chefe do Ministério Público”, ou seja, pelo procurador-geral da República.

A redação da proposta, porém, é criticada por especialistas, porque faz referência ao Ministério Público como um todo, como se já não existisse a possibilidade de revisão para parte da categoria. André Callegari, advogado criminalista e professor do IDP, afirma que o texto não está claro e precisa estabelecer quais seriam as instâncias de revisão para os profissionais e também qual seria no caso do PGR.

Prazo para relatório de CPI:

Outra mudança em relação ao Ministério Público seria a alteração da lei das CPIs (1579/1952) para estabelecer que sejam aplicados à análise do relatório encaminhado por parlamentares os mesmos prazos estabelecidos pelo Código de Processo Penal para investigações –que, no caso de réus em liberdade, é de 30 dias.

A proposta diz ainda que, se houver elementos mínimos, a denúncia deverá ser aceita, seguindo o que já prevê a lei penal.

Essa alteração é vista como uma forma de a CPI conseguir caracterizar a inércia do Ministério Público, caso não sejam tomadas providências em relação ao relatório encaminhado pelos parlamentares e, assim, apresentar uma ação penal subsidiária.

Crime contra a humanidade

Extermínio:

O relatório da comissão cita a necessidade de trazer para a legislação brasileira a tipificação do crime de extermínio, previsto pelo Estatuto de Roma.

A proposta amplia o conceito previsto na legislação internacional, definindo extermínio como “um ataque generalizado à população que resulte em morte; causar lesão grave à integridade física ou mental; ou submeter a totalidade ou parte específica da população a condições de existência capazes de causar morte”.

Embora a corrente majoritária entenda que os crimes do Estatuto de Roma só possam ser julgados pelo TPI (Tribunal Penal Internacional), a visão não é consensual. Paulo Borba Casella, professor de direito internacional da USP, faz parte da corrente que entende que a Justiça brasileira já poderia atuar em relação a tais delitos, uma vez que a emenda constitucional 45, de 2004, reconheceu a constitucionalidade da jurisdição do TPI.

Crime contra a administração pública

Agravantes em caso de calamidade pública: O relatório propõe alterar artigos do Código Penal referentes a crimes contra a administração pública, estabelecendo o aumento de pena quando o delito for praticado num contexto de calamidade ou de emergência em saúde pública.

O texto prevê ainda a criação do “peculato qualificado”, que seria caracterizado quando o peculato –que é a apropriação de dinheiro ou bem público em benefício próprio– ocorrer com recursos previstos para responder a uma crise sanitária.

Desinformação

Crime de fake news:

Caso o projeto seja aprovado, o ato de “criar ou divulgar notícia que sabe ser falsa para distorcer, alterar ou corromper gravemente a verdade” passaria a ser crime, punido com pena de prisão de seis meses a dois anos.

Isso ocorreria para temas relacionados “à saúde, à segurança, à economia ou a outro interesse público”. O texto diz ainda que “não é considerada notícia falsa a manifestação de opinião, de expressão artística ou literária, ou de conteúdo humorístico”.

O diretor do InternetLab, Francisco Brito Cruz, ressalta que a redação dada para o crime de divulgar fake news busca criar alguma proteção à liberdade de expressão ao prever que é preciso que a pessoa tivesse conhecimento de que o conteúdo era falso.

Por outro lado, ele considera arriscado trilhar o caminho da criminalização, pois qualquer redação abriria a possibilidade de abusos por meio da instrumentalização do Judiciário

Coleta de dados e combate a fake news pelas plataformas:

Atualmente os chamados provedores de aplicação, que incluem aplicativos de mensagem e redes sociais, são obrigados a guardar por seis meses os registros de conexão dos usuários, os IPs.

O projeto do relatório traz novas regras, como guarda de CPF ou CNPJ, além de nome completo e data de nascimento, sendo que as redes sociais deverão “garantir a identificação inequívoca do usuário”.

Além disso, também está previsto que deverão adotar “medidas para combater a publicação e a disseminação de notícias falsas e impedir o uso de perfis fraudulentos”.

O texto prevê, por exemplo, que no caso de um usuário identificado reclamar de mensagem publicada “por usuário que não possa ser identicado”, a remoção deve ser imediata. Sem fazer qualquer consideração, portanto, sobre o conteúdo.

O tema já é tratado no projeto de lei das fake news, que foi aprovado no Senado no ano passado e está em discussão na Câmara.