Rotativo do cartão: entenda como o novo limite pode influenciar oferta de crédito e inadimplência

A decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) de limitar os juros do rotativo do cartão de crédito foi recebida com bons olhos por especialistas em educação financeira. Eles apontam, no entanto, desafios na oferta de crédito e no endividamento da população (veja mais abaixo).

Rotativo é uma modalidade de crédito ativada automaticamente quando o cliente não paga o valor total da fatura do cartão até a data do vencimento. Essa é a categoria mais cara do país, com juros que, em outubro, ficaram em 431,6% ao ano.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, confirmou na quinta-feira (21) que o valor total cobrado pelos bancos em juros do rotativo não poderá exceder o valor original da dívida. A medida vale para débitos registrados a partir de janeiro de 2024.

Se o saldo devedor for de R$ 100, por exemplo, a dívida total, com a cobrança de juros e encargos, não poderá exceder R$ 200 após um ano. O custo do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF), entretanto, está fora desse cálculo.

Para especialistas ouvidos pelo g1, a decisão é positiva, mas traz reflexos secundários, inclusive na oferta de crédito. A avaliação também é de que a medida não deve necessariamente resolver o problema de descontrole de gastos — questão atrelada à educação financeira

Oferta de crédito e adaptação de mercado

 

A professora de Finanças da FAAP Virginia Prestes elogia a medida, mas pondera que “sempre há impactos” quando o governo tenta limitar taxa de juros ou agir de maneira mais restritiva.

“Nesse caso, o efeito pode ser a limitação da oferta de crédito pelos bancos”, diz, lembrando que o juro do cartão tem um motivo de ser tão alto: a inadimplência extremamente elevada. (veja mais abaixo)

“Como o cartão de crédito tem bastante inadimplência, limitar a cobrança dos juros pode fazer com que não valha a pena para o banco emprestar dinheiro para quem é recorrente no saldo devedor”, explica Virginia.

 

Nesse sentido, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) já havia sinalizado sua posição de que limitar os juros do rotativo poderia inviabilizar cartões e reduzir a oferta de crédito.

Durante as discussões sobre o modelo, a entidade afirmou que criar um teto poderia “tornar uma parcela relevante dos cartões de crédito inviáveis economicamente, afetando a disponibilidade de crédito na economia”.

Já nesta sexta-feira (22), a Febraban afirmou, em nota, que a nova regulamentação “disciplinou pontos cruciais para a correta aplicação da lei que limita os juros do rotativo”. Mas ponderou o cenário.

“A Febraban reforça sua posição de que as causas dos elevados juros do rotativo não foram estruturalmente solucionadas, o que impacta diretamente os consumidores que precisam dessa linha de crédito”, disse a entidade, classificando como “temporária” a solução atual.

 

“Por não resolver a causa raiz, os juros se manterão ainda em patamar elevado, prejudicando o comércio e aqueles que mais precisam de crédito para consumir”, concluiu.

Inadimplência

 

A educadora financeira Carol Stange também classifica como positiva a decisão de limitar os juros do rotativo do cartão. Ela reforça, entretanto, que a medida não terá efeitos diretos na redução da inadimplência caso a população não evolua no controle de suas contas.

Dados do Banco Central do Brasil (BC) mostram que a inadimplência atingiu 54,9% das operações do rotativo em outubro deste ano. São R$ 65 bilhões em dívidas no país, de acordo com a instituição.

“É preciso entender que essa iniciativa valerá muito pouco se não for acompanhada de educação financeira, já que as pessoas continuarão se endividando”, diz Stange.

 

A especialista também alerta que, caso a mudança não seja muito bem compreendida pelos consumidores, existe a chance de contraírem ainda mais dívidas. “Isso pode ocorrer justamente pela falta de conhecimento”, reforça.